Depoimento
Prof. Afrânio Rodrigues Pereira
Não é nada fácil escrever, resumidamente, uma experiência que envolve uma distância temporal de aproximadamente 40 anos de uma jornada dentro da UFV e seu departamento de física. São quase 40 anos dos 50 celebrados por esse departamento. O dobro do tempo de existência do programa de pós-graduação em física da UFV. Começa no ensino médio (COLUNI), passa por uma graduação, envolve uma interrupção e prossegue numa carreira de professor. É uma viagem no tempo, de retorno a um passado que se manifesta apenas na causalidade que leva ao tempo presente e que só permanece dentro das mentes humanas (através de lembranças e registros). E obviamente, os fatos que se encontram nas mentes de cada um de nós, que os vivenciaram, vão se misturando com nossas próprias interpretações de mundo, ficando cada vez mais distante da realidade objetiva. Portanto, o que narro aqui pode abranger facetas que não combinam completamente com o entendimento de outros indivíduos que também estiveram presentes nos mesmos acontecimentos. Espero não contar uma história muito diferente daquela vivenciada pelos personagens lembrados nesse texto.
Quando muito jovem, ainda no primeiro ano do ensino médio (na época denominado “científico” ou segundo grau), lendo um livro de física usualmente adotado nas escolas, na belíssima parte de gravitação universal (teoria Newtoniana da gravitação), tive uma epifania e com ela a decisão definitiva de cursar física em uma universidade. Morava na cidade de Caratinga (interior de Minas Gerais) e no colégio em que estudava (estadual), já circulava algumas informações sobre o prestigio da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Com essa influência, fui para Viçosa, primeiramente para cursar o COLUNI, após passar no exame de seleção (na época, o COLUNI só oferecia o terceiro ano). Mas nesse ano final do ensino médio, com o privilégio de ter um convívio universitário dentro de um campus excepcional, sempre visitando a livraria interna da própria UFV para folhear e até comprar os livros de física que continham os temas de relatividade e física quântica, acabei decidindo permanecer nessa instituição. Bela universidade, cidade pequena e vida tranquila. Sabia que o curso de física da UFV não tinha tradição. E ainda havia um outro aspecto desestimulante: primeiro, o estudante entrava em um curso de licenciatura geral de ciências e, depois do ciclo básico, optava por uma das especialidades (bacharelado em física, química, biologia ou matemática). Esse modelo iria mudar em pouco tempo.
E foi assim que começou minha carreira como físico (Figs. 1,2 e 3). Um pouco nebulosa, com as dificuldades e mudanças oriundas de um curso ainda em planejamento. E ainda, com a natural rebeldia e entusiasmo da fase de juventude, vivida numa época de grande movimentação e agitação política num país que amargava uma ditadura militar. Mas alguns dos professores e pesquisadores daquela década de 1980 se superaram, deram o seu máximo e, posso dizer com absoluta certeza, que conseguiram formar bons físicos que se espalharam pelo país e pelo mundo. Entre esses pioneiros de um curso de bacharelado e licenciatura em física, que se firmava naqueles tempos difíceis, cito alguns professores com os quais tive um maior convívio: o professor Ernesto von Ruckert e as grandes teorias da física do século XX (mecânica quântica e relatividade geral); o professor Oderli de Aguiar e sua dedicação ao ensino da física; o Professor João Escobedo e suas termopilhas; o professor Martinho e os balões atmosféricos para a pesquisa de raios cósmicos. Era uma época bastante conturbada também dentro do próprio departamento, com grupos e tendências em conflitos, inclusive para a criação de uma possível pós-graduação (com propensões que não seriam muito ligadas diretamente à física).
Colegas e amigos inesquecíveis nas áreas de ciências (em geral) e da física (em particular) também merecem ser mencionados por suas contribuições indiretas ao departamento de física e, obviamente, pelas suas influências na minha própria formação. Indubitavelmente, fazem parte destes 50 anos do DPF. Todos estudantes entusiasmados pelas suas áreas. Dentre eles, o sonhador Arcanjo (com uma alma de físico), o peculiar Edison (hoje professor do COLUNI), a talentosa Betinha (uma das poucas mulheres da física daqueles tempos), o confiante Fernando Otávio (FUBÁ, presente em todos os eventos do mundo), o experimental talentoso Airton (e seu violão), o tímido Furtunato (com o experimento holográfico), o empreendedor Peter (e o balão estratosférico lançado em frente ao DPF para pesquisas sobre raios cósmicos), o lutador Zé Walter (enfrentando a deficiência visual), o agreste Helder (com grande habilidade no laboratório), o fanfarrão Fernandão (e sua foto junto ao prêmio Nobel de física de 1984, Carlo Rubia, um dos descobridores dos bósons W e Z0), o agnóstico Casé (Casca, o biólogo pré-histórico), o grande enxadrista Laerte (Lasca, o matemático do “Laertiano”). Particularmente, entre as conversas dos estudantes de física sobre o departamento naquela época, estava sempre presente o sonho de transformá-lo num grande centro de física no futuro, em que nós pudéssemos atuar como alguns dos protagonistas. Coisas da juventude.
Deixei a UFV no fim da década de 1980 para fazer a pós-graduação e, como um filho pródigo, retorno à casa em 1996, dessa vez como professor do departamento de física (DPF). Aqui devo recordar alguns fatos interessantes que estavam acontecendo pouco antes do meu regresso. Após um doutorado e um pós-doutorado na UFMG, estava com passagens marcadas para um outro pós-doutoramento em Los Alamos, EUA (no Los Alamos National Laboratory, LANL). Iria trabalhar no grupo do Prof. Alan Bishop, na área de física não-linear (com aplicações em matéria condensada). Pouco antes de viajar, o Prof. Alexandre Tadeu (aqui do DPF) me contactou, informando sobre um concurso para professor na física da UFV, na área de teoria (em física da matéria condensada). Ele contava sobre as novas expectativas do departamento, as novas possibilidades que se abriam devido às atuações fundamentais de pesquisadores como os professores Ricardo Reis Cordeiro, Marcelo Lobato Martins e o próprio Alexandre. Um departamento de física cada vez mais genuíno, com boas ambições e, portanto, com perspectivas desafiadoras. Com um ambiente jovem, renovado e pulsante, com objetivos e propósitos claros que iam de encontro com os pensamentos daqueles meros estudantes de graduação sonhadores dos anos oitenta, vi ali uma grande oportunidade. Escrevi ao Prof. Bishop informando os motivos da minha desistência do Pós-Doutoramento no LANL e segui para um novo caminho dentro da UFV. Cheguei junto com o Marcos Couto. Duas novas contratações: um teórico e outro experimental. Uma das coisas que os professores do DPF discutiam muito nessa segunda metade da década de 1990 era a criação da pós-graduação a nível de mestrado. Tarefa muito difícil naqueles tempos. O CA de física e astronomia da CAPES era extremamente exigente. Precisaríamos trabalhar muito, fazer contratações “perfeitas”, errar pouco, ter uma linha de ação e ter sorte para atingi-la. Realizar uma política com uma margem de manobra muito pequena, agir de acordo com as devidas circunstancias em que estávamos envolvidos; deveríamos operar de acordo com uma política de “Virtú e Fortuna” (como aconselhava Maquiavel, em “O Príncipe”). Uma das propostas dessa linha de ação, que ganhou destaque em nossas discussões, mirava a formação de uma física experimental forte. Para isso, deveríamos construir laboratórios bem equipados e tentar atrair físicos experimentais criativos e dispostos a montar novos laboratórios experimentais. Em 1998 chega o Prof. Sukarno, que inegavelmente viria a dar uma nova luz aos propósitos de criação de uma física experimental mais dinâmica para o DPF. Uma equipe experimental mais robusta começava a se formar: Sukarno ocupava o seu espaço e o Prof. Alexandre atualizava o seu laboratório (algumas vezes apelidado de “lixão”, devido a habilidade do professor em recuperar equipamentos mais velhos e deteriorados); o Prof. Marcos Couto montava um laboratório de sistemas complexos (com muita criatividade e poucos recursos). “Barro fofo e pedra lascada” como dizia o Prof. Marcelo. Também nessa mesma época chegava o Prof. Álvaro, que tinha uma sólida formação em física e vinha como uma grande promessa experimental, trazendo vários equipamentos doados por uma fábrica de semicondutores (SID) localizada na grande BH e que estava fechando suas portas. Além desses equipamentos novos, que criariam uma sala limpa e um laboratório, o Prof. Álvaro também conseguiu aprovar um projeto na FAPEMIG envolvendo uma boa quantidade de recursos para formar e consolidar um grupo na área de semicondutores. Mas nem sempre as coisas acontecem como desejamos e um possível e promissor grupo liderado pelo Prof. Álvaro (e ainda contendo os professores Helder e Rober) não se concretizou de fato. Conjunturas relacionadas a flutuações sem controle em momentos de grandes atividades que acabam mudando os destinos, empurrando as pessoas para outras direções. Não obstante, podemos dizer que o laboratório (construído no novo prédio do centro de ciências exatas) e seus equipamentos provocavam um grande impacto e foram importantes para a criação da pós-graduação em física aplicada. Hoje o Prof. Álvaro é dedicado à área de ensino de física.
O departamento contava com menos físicos experimentais que teóricos e a produção científica ficava muito deslocada para a física teórica. Portanto, a formação de uma física experimental forte teria que exigir uma intensa participação dos físicos teóricos. Na época, os assuntos teóricos mais promissores eram mecânica celeste (com o Prof. Ricardo), Magnetismo (comigo) e mecânica estatística (com os professores Marcelo e José Arnaldo). Mas esse desafio teórico-experimental seria jogado principalmente em dois pesquisadores: eu e o Prof. Marcelo. E isso vai acontecer vagorosamente ao longo de quase duas décadas, em que submetíamos, regularmente, projetos para as várias agências de fomento com a intensão de obter recursos para a compra de equipamentos que iriam permear os diversos laboratórios de pesquisa do DPF. Enquanto isso, o Prof. Sukarno também adquiria e até construía seus próprios equipamentos (por exemplo, o MBE).
Vale ressaltar que naquele fim do século XX, no governo neoliberal do sr. Fernando Henrique Cardoso (FHC), o nosso próprio laboratório de pesquisas teóricas (GISC) se encontrava em péssimas condições. Computadores velhos e antiquados eram o que restavam. O governo FHC não investia em ciência e tecnologia; não conseguíamos aprovar nem projetos no Universal do CNPq para a compra de um misero computador. Todos os anos enviávamos projetos, com valores muito baixos (da ordem de R$ 10.000,00), com vários doutores envolvidos; eu e Marcelo alternávamos a liderança dos projetos enviados: num ano era eu e no outro ano era o Marcelo. Nada de aprovação. Imagine então a dificuldade em aprovar projetos muito mais caros para a obtenção de equipamentos da física experimental. Era também uma época de horror para as universidades públicas! Um ataque atrás do outro, inclusive da mídia. Minha autoestima como professor e pesquisador de uma universidade diminuía a cada ano. Segundo o Ministro da Fazenda daqueles tempos sombrios (Pedro Malan), o Brasil não precisava criar ou fazer ciência e tecnologia. Poderíamos simplesmente comprar novos produtos e meios tecnológicos dos países centrais. Essa sim, era a verdadeira política do complexo de vira-latas. Pobre país tropical que parece querer insistir nas mesmas desventuras. Assim sendo, com as dificuldades usuais e inerentes de ordens técnica e cientifica, aliadas com o governo FHC em curso, nossas esperanças diminuíam e começávamos a pensar ser quase impossível a implantação da nossa pós-graduação.
Mas não faltou esforço, dedicação e entusiasmo, principalmente dessa geração da década de 1990 mencionados acima. Devo também enaltecer a ação de professores que não iriam participar ou se beneficiar diretamente da presumível pós-graduação. Trabalhavam pelo departamento. E no caso da criação do programa de mestrado, atuavam nos bastidores e na burocracia. Cito o Prof. Orlando como representante de todos os que ajudaram nessa empreitada, mesmo sabendo que estariam de fora. Suas ações também ajudaram na construção do novo prédio do centro de ciências exatas e tecnológicas, de importância fundamental para o departamento. Recordo da empolgação dos professores da física com a inauguração desse prédio em 2000. Fizemos a nossa própria mudança, carregando nossos móveis, livros e equipamentos, sem esperar as demoradas ações da UFV; fomos o primeiro departamento a ocupar o prédio. E para completar essa jornada delirante, conseguimos emplacar o programa de mestrado em física aplicada bem no início do século XXI. Para nós, foi praticamente um “2001, uma odisseia no espaço”, para lembrar a ficção científica de Stanley Kubrick e Arthur Clarke. No nosso caso, o filme acontece no “espaço-tempo”! O mestrado chegava e não era uma ficção. A responsabilidade iria aumentar consideravelmente. O Professor Ricardo foi o primeiro coordenador desse programa, que se concentrava em poucas áreas de pesquisa. O programa, com conceito 3, começava com 6 bolsas oriundas de um sistema CAPES que vigorava na UFV na ocasião (denominado PROF: uma gestão descentralizada, o que permitia às IFES aplicarem os recursos financeiros mediante seu próprio gerenciamento). Assim sendo, nossa disputa por bolsas de mestrado se reduzia ao âmbito interno, dentro da própria UFV, que repartia as bolsas e recursos conforme a produção e relevância dos programas. Mas não era fácil, pois a UFV já contava com programas com altos conceitos na CAPES (principalmente nas áreas agrárias e biológicas). E a disputa interna por bolsas e recursos era muito acirrada, algumas vezes beirava a insanidade (cheguei a escutar em reuniões na pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação que um determinado programa novo na UFV não deveria ser criado para não dividir ainda mais os recursos escassos).
Nessa época começava a ficar ainda mais aguda as “numerologias” e que viriam a ser cada vez mais empregadas pela CAPES. Os físicos inventaram mais um número para os pesquisadores carregarem em seus currículos e vaidades. Surgia o fator h. Nós físicos já erámos familiarizados com uma série de diretrizes que a CAPES começava a exigir de todos os outros programas de pós-graduação (todas as áreas do conhecimento deveriam seguir os mesmos critérios de avaliação). Por exemplo: exigência de predominância de publicações em periódicos internacionais. Isso não era comum na maioria dos programas da UFV, que passaram a ter que se adaptar. Nesse contexto, vieram também (a tira colo) os números de citações, parâmetro de impacto dos periódicos, fator h etc. Um verdadeiro “capitalismo acadêmico”, reflexo de um mundo mercantil. Com tudo isso em voga, a pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação se esforçava enormemente para que os programas da UFV se adaptassem. Passou até a existir um recurso dessa pró-reitoria destinado à tradução dos trabalhos para o inglês, um claro incentivo para que todos publicassem em revistas internacionais. Obviamente, isso era o habitual para nós, da física, mas, muitos dos programas da UFV e seus membros (principalmente nas ciências agrárias) raramente publicavam em periódicos internacionais e não tinham nem ideia do que era o tal fator h. Alguns programas até esboçaram uma resistência, que foi sendo vencida aos poucos, pois as mudanças eram inevitáveis. Naquele momento eu já era o coordenador do nosso mestrado e o professor Ricardo foi então indicado para assessorar a pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação, principalmente nos quesitos “numerológicos” (só alguém da física para isso naqueles tempos). Foi uma batalha memorável e a participação de um físico naquela pró-reitoria foi muito interessante para o nosso mestrado, ainda jovem e em fase de consolidação. Um curso com conceito 3, mas com certa voz na avaliação de todos os programas da UFV, inclusive aperfeiçoando as normas de como seriam distribuídos os recursos do PROF dentro da universidade. O trabalho do Prof. Ricardo foi intenso e reconhecido.
A ambição dos membros da nossa pós-graduação em física crescia, embora com os pés no chão. Era natural. Como coordenador, tive a incumbência de planejar a criação do programa de doutorado em física. Porém, como realizar tal tarefa bem mais difícil do que a criação do próprio mestrado? Vale agora lembrar que já não existia mais o destruidor governo neoliberal de FHC, que deixou nosso departamento com apenas 18 professores. Algumas boas novas se apresentavam, abrindo um oásis no horizonte. De fato, os recursos para as áreas de ciência e tecnologia cresciam a cada ano. Isso junto com mais recursos para as próprias universidades públicas (surgiria o REUNI, com objetivos de reestruturar e expandir as universidades federais, o que incluiria mais vagas para a contratação de professores). Uma esperança começava a aparecer. Só para se ter uma ideia, narro um fato que ocorreu diretamente comigo: em 2002 (último ano da era FHC e Pedro Malan) enviamos um projeto (Universal do CNPq) de uns R$ 15.000,00, para a simples aquisição de computadores que seriam destinados ao GISC. Eu era o coordenador desse projeto que tinha ainda mais outros 5 professores-doutores participantes, como o Marcelo, José Arnaldo, Ricardo entre outros. O GISC estava em terríveis condições! Como sempre, repetiu-se a fatídica resposta do CNPq: o projeto tinha méritos, mas não havia recursos financeiros. Já era esperado, mas também era sempre decepcionante receber aquele parecer. Quando aquela terrível catástrofe para o povo brasileiro acabou (fim de FHC) e iniciou-se o ano de 2003 (governo Lula), recebi uma inesperada e surpreendente mensagem do CNPq. Para minha surpresa, o e-mail do CNPq referia-se ao projeto Universal citado acima (de 2002), informava ter recursos e indagava se ainda pretendíamos realizar aquela pesquisa. Uma alegria bem no início daquele ano. Claro que a resposta foi positiva e, assim, o GISC começaria uma recuperarão para vir a transformar-se no que é hoje. Nessa mesma época, com novas vagas para professores surgindo, o laboratório experimental de sistemas complexos do Prof. Marcos receberia a colaboração do Prof. Ismael, um teórico de física estatística que entrava para o corpo docente do DPF (tive o imenso prazer de participar da banca em que o Prof. Ismael foi aprovado). Interações entre teóricos e experimentais sempre foram uma tônica no nosso departamento. Nesse laboratório experimental de sistemas complexos, praticamente todos os equipamentos de pesquisa eram construídos (de uma “maneira caseira”) para permitir o uso de materiais alternativos como vidros, bolinhas de plástico coloridas, sistemas de papeis para estudo de fraturas, redes de fusíveis, máquinas fotográficas (o famoso barro fofo e pedra lascada). No entanto, dessa simplicidade (em meio à complexidade) saíram resultados impressionantes e que foram publicados em Physical Review Letters (PRL). Para quem se impressiona com esse tipo de revista, ainda informo que uma dessas investigações, que considerava sistemas granulares com bolinhas de plástico, foi a própria capa da PRL. Infelizmente, no meio do caminho tinha uma CAPES. Tinha uma CAPES no meio do caminho. Acabei vendo esse laboratório praticamente ser fechado e, com ele, as suas criativas jogadas, simplesmente por causa das normas da CAPES advindas das prerrogativas do banco mundial (a ciência brasileira paga muito caro por isso e ainda somos mais realistas que o rei). Embora o grupo dos professores Marcos e Ismael fosse muito criativo e produzisse belos trabalhos, tinha o “grande problema” de produzir relativamente pouco (menos de um artigo por ano, em média). Isso não gerava numerologias (artigos, citações, fator h e toda a tralha que vem acompanhada). Fomos capazes de tirar 2 jovens pesquisadores (naquela época) do páreo, apagar um laboratório legal (talvez um dos pioneiros no Brasil nessa versão alternativa). Mas não foi só isso. Como coordenador, vi desesperadamente mais um outro laboratório fechando as portas devido a brigas internas no DPF (coisa rara, mas que acontecem). Vi acabar o laboratório de foto-térmica e fotoacústica liderado pelo Prof. José Eduardo. O único laboratório nessa área no estado de Minas Gerais. Genuinamente “viçosence”. Um laboratório que produzia artigos e formava estudantes regularmente. O professor José Eduardo tinha inclusive colaborações com o prêmio Nobel de química daqueles anos. Tinha voltado de um pós-doutoramento na Austrália e era bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Não era pouca coisa naqueles tempos. Minhas lembranças dão conta de que apenas eu e o Prof. Winder tentávamos dar suporte ao Prof. José Eduardo naqueles dias fatídicos, pensando principalmente na pós-graduação. Como costuma dizer o Prof. Winder, Saci de perna direita pode existir no DPF, mas de perna esquerda, nem pensar (causava perplexidade na maioria dos professores). Faltou paciência e a política da Virtú e Fortuna. Como criar o programa de doutorado com todos esses contratempos, principalmente e justamente na área experimental? O fechamento de laboratórios importantes e perda de pesquisadores criativos eram um verdadeiro balde de água fria.
Com tudo isso acontecendo, ainda pelejava para tentar consolidar um grupo de teoria em física da matéria condensada, com forte ênfase em magnetismo. Pseudopartículas com origens topológicas começavam a permear várias áreas da física (supercondutividade, superfluidez, magnetismo, cristais líquidos, efeito Hall quântico etc). Ao mesmo tempo, os novos materiais, que vinham sendo descobertos e desenvolvidos, exibiam interessantes efeitos causados por quase-partículas exóticas (elétrons fragmentados tipo spinons e chargons, excitações topológicas como merons, skyrmions etc). No entanto, naquela época, com poucos professores no DPF, a área de magnetismo contava apenas com o “grupo do eu sozinho”. Para ajudar a reforçar as pesquisas nas linhas mencionadas acima, em 2004, consegui trazer o Prof. Gary Wysin, do Kansas State University (EUA), para ficar um tempo no nosso departamento, com bolsa de pesquisador visitante da FAPEMIG. Mas a urgência e necessidade de atacar as várias possibilidades de tópicos e projetos não caberia a apenas um pesquisador permanente. Foi então que lembramos do Prof. Winder, que era docente da UFVJM em Diamantina. Conheci o Prof. Winder em Diamantina, quando participei da banca do concurso em que ele foi aprovado na UFVJM em 2002. Ele tinha feito sua graduação em física na UFV e o mestrado e doutorado no CBPF sob a orientação do professor Helayël-Neto. Sua área era originalmente de partículas e campos (na concepção genuína), mas ele já estava esboçando uma migração para matéria condensada (acho que desde a sua estadia na UFL, em Lavras). Depois que ele se estabeleceu em Diamantina, tivemos uma pequena colaboração em que publicamos alguns trabalhos sobre solitons magnéticos. Mesmo assim, não foi muito fácil convencer o Winder a vir para Viçosa. Seria uma mudança de vida meio drástica. Mas ele acabou aceitando e em 2005 nos brindou com sua presença definitiva no DPF. O grupo de teoria em matéria condensada passou então a ter 2 pesquisadores, o que permitiu um rápido desenvolvimento da área aqui na UFV. Só para se ter uma ideia, os tópicos que desenvolvemos na primeira década do século XXI serviram de base para a formação de vários pesquisadores (Fig.4). De fato, só aqui no DPF existem 3 grandes teóricos (dois deles já são bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq) desenvolvendo trabalhos nas áreas acima sublinhadas: os professores Jakson, Vagson e Antônio. Ainda tem um pesquisador experimental (também bolsista de produtividade do CNPq), o professor Clodoaldo, que se uniu a nós em 2013 e se beneficiou dos assuntos e equipamentos adquiridos pelo grupo e que hoje, com grandes méritos, coordena um excelente laboratório de spintrônica e nanomagnetismo (o LabSpiN). Esse é um exemplo muito interessante de colaborações teórico-experimental em magnetismo e materiais magnéticos dentro de um departamento de física. Com o Prof. Clodoaldo, construímos o primeiro material artificial nanomagnético geometricamente frustrado no Brasil. Fora da UFV, cito rapidamente o Prof. Lucas Mól (também bolsista em produtividade em pesquisa do CNPq) do departamento de física da UFMG; o Prof. Fábio da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; a Profa. Erika do Instituto Federal do Espírito Santo (em Vitória) e os professores Ricardo Lopes da Silva e Rodrigo Costa Silva da UFES. Todos ainda ativos pesquisadores nas linhas mencionadas. Foi devido a esses generosos professores e seres humanos (a maioria formada no nosso grupo) e também devido ao grande impulso dos professores do DPF, que recebi da UFV, a medalha de ouro Peter H. Rolfs de Mérito em Pesquisa, em 2011. Uma quebra de paradigmas em que a pesquisa em física passava a ser mais reconhecida dentro dessa instituição. A vinda do Prof. Winder para o nosso departamento foi fundamental para o programa de pós-graduação em física da UFV e para o doutorado que seria criado pouco depois de sua chegada. Para finalizar esse parágrafo, vou comentar resumidamente um fato importante que aconteceu com nosso grupo. Podemos dizer que construímos uma teoria sobre monopolos magnéticos de Nambu e seus strings energéticos (um tipo de fracionalização) em um material magnético conhecido por spin ice artificial (ASI). Essa teoria foi firmemente contestada inicialmente, sendo o nosso trabalho recusado em diversos periódicos (durante o ano de 2008), até ser aceito no Journal of Applied Physics em 2009. Pouco depois a teoria foi testada experimentalmente por um grupo da Universidade de Leeds (Inglaterra), com os experimentos divulgados em uma conferência restrita ocorrida nessa mesma universidade (2nd Bragg-Stoner Symposium: “Understanding frustrated interactions using nanotechnology”, 13-14 Julho de 2010; ver Fig.5). Fomos um dos poucos convidados; os autores de Leeds publicaram seus resultados experimentais na Nature Physics em 2011, confirmando tudo que havíamos predito. Nosso artigo foi o pontapé inicial que gerou centenas de papers teóricos e experimentais sobre monopolos magnéticos e seus strings energéticos nos materiais tipo ASI. Tais trabalhos eram e são oriundos de grandes laboratórios de nanomagnetismo espalhados pelo mundo afora.
Mas um doutorado não se cria assim do nada. Recursos humanos são a base de tudo. E ao mesmo tempo em que atuávamos para a criação do doutorado em física na UFV (o primeiro no interior de Minas), também tínhamos o encargo de formar grandes estudantes e pesquisadores. Uma enorme responsabilidade! Nesse quesito, tenho grande orgulho de ter exercido uma ínfima influência e de ter sido professor de grandes pesquisadores, que hoje pertencem ao quadro de docentes da nossa pós-graduação. Pesquisadores teóricos e experimentais. Fui professor de física quântica e relatividade geral do professor Silvio (em relatividade geral ele passou com 105 em 100). Também fui professor de física quântica (entre outras disciplinas) dos professores Antônio Ribeiro de Moura, Eduardo Nery, Halan Souza, Jakson Miranda Fonseca, Luciano Moura, Tiago J. Oliveira, Vagson L. Carvalho Santos e da Professora Andreza Germana. Acredito que essa foi uma das minhas maiores contribuições tanto para a graduação como para a nossa pós-graduação; pelo menos 8 nomes citados acima estão no quadro do corpo de docentes permanentes do nosso programa de mestrado e doutorado.
A maioria dos fatos narrados acima aconteciam ao longo da primeira década do século XXI. Ainda não tínhamos uma massa crítica para a criação do doutorado. Foi a colaboração do nosso grupo de teoria em matéria condensada e magnetismo (eu e Winder) com membros de um grupo do departamento de física da UFJF (os professores Sidney e Pablo) que inspirou uma ideia. Se juntássemos os dois departamentos de física (da UFV e da UFJF) teríamos uma maior quantidade de áreas de pesquisa e um maior número de pesquisadores adequados a um programa de doutorado. O plano era construir um doutorado associado dos departamentos de física UFV/UFJF. Eu e Marcelo pensávamos nessa possibilidade insistentemente para convencer o nosso colegiado. A ideia foi levada a Juiz de Fora e os dois colegiados acabaram por aprovar essa proposta. Partimos então para tal empreendimento em 2005. Como coordenador do programa da UFV comecei a escrever uma proposta com ajuda do Prof. Marcelo (que era da comissão coordenadora do Programa). Escrevemos o projeto de doutorado para os 2 departamentos. A coordenadora do programa de mestrado da UFJF (Profa. Maria José) aprovou e seguimos em frente. Um trabalho impressionante e ainda tinha as batalhas nos bastidores. O Prof. Antônio Sergio Teixeira Pires (o Tônico), do departamento de física da UFMG, era o coordenador da área de física e astronomia da CAPES. Algumas vezes eu e Marcelo viajávamos a Belo Horizonte para conversarmos com o Tônico no intuito de tentar entender a visão da CAPES a respeito do nosso projeto. Quando fazíamos críticas aos métodos intransigentes da CAPES, a resposta era resumida numa frase que dizia mais ou menos o seguinte: “A CAPES não é uma instituição de caridade”. Queria dizer que as regras eram rígidas, os recursos eram escassos e que não seria nada fácil passar aquela jogada. Mas notávamos que o Tônico era simpatizante da ideia (Fig.6). Deveríamos ser bastante convincentes. Juiz de Fora e Viçosa ficam na Zona da Mata mineira, uma região diversa e com aproximadamente 2 milhões de habitantes. Duas grandes universidades. Após realizada a proposta escrita, submetemos à CAPES. Uma visita técnica de uma comissão do CA de física e astronomia da CAPES foi programada. Pretendiam ver de perto as instalações, laboratórios, bibliotecas, condições de funcionamento etc. Chegariam primeiro em Juiz de Fora e fui recebê-los na UFJF, junto com o pessoal de lá. Depois de visitarem as instalações do departamento de física da UFJF, viajamos para Viçosa. Era a vez de colocar o nosso departamento à prova. Foi melhor do que esperávamos. A comissão da CAPES ficou bastante impressionada com a UFV e com o departamento de física. Um prédio novo com instalações modernas e planejadas. Gostaram também dos laboratórios e seus equipamentos. Tais laboratórios viriam a ser as sementes dos atuais. O doutorado associado UFV/UFJF foi aprovado. Iniciava suas atividades em 2006, cinco anos depois da criação do mestrado. Um “admirável mundo novo” (tomando emprestado uma frase de “A Tempestade” de Shakespeare, que inspirou o título do romance distópico escrito por Aldous Huxley) estava diante de nós. O “admirável DPF novo” é o que podemos observar hoje. Quem viveu aqueles tempos sabe do que estou falando. Missão cumprida! Restava (e ainda nos resta) não deixar tudo transformar-se numa distopia. Deixei a coordenação do programa (sendo substituído pelo Prof. Marcelo) e no ano de 2006 segui para um pós-doutorado na universidade mais antiga do mundo ocidental (universidade de Bolonha, na Itália).
Volto da Itália em 2007. Estava orientando o doutorando Ricardo Lopes da Silva, que viria a ser o primeiro doutor formado na pós-graduação em física (no setor UFV). Defendeu a tese em 2009. O nosso programa precisava de uma expansão, inclusive em novas áreas de pesquisa, se quiséssemos atingir a próxima meta, que era ficar independente e deixar de ser associado com a UFJF. Nesse ano de 2007, o Prof. Helayël-Neto (do CBPF) me enviou uma mensagem, especulando se o Daniel H.T. Franco teria chances de conseguir uma bolsa de pesquisador visitante no DPF/UFV. Conhecia o Daniel desde a década de 1990, quando cursávamos o doutorado na UFMG e dividíamos a mesma sala. Contemporâneos de curso. Ele trabalhava com teoria quântica de campos e, naqueles tempos de doutorado, graças ao Daniel, tive também a oportunidade e o privilégio de conhecer o Oswaldo Del Cima (um jovem pesquisador totalmente empolgado com o Modelo Padrão) e o distinto Prof. Piguet, que estava começando a se estabelecer no Brasil (vindo da Suíça). Um dos magos da supersimetria! Também que tive o imenso prazer de conhecer o Prof. Helayël. Voltando a 2007, ao receber a mensagem do Halayël, comecei a pensar que realmente não tínhamos essa área no DPF (quase que exclusivamente voltado para a matéria condensada) e respondi que me empenharia nessa possibilidade com muito prazer. Assim, aprovamos uma bolsa de pesquisador visitante na FAPEMIG e o Daniel começava sua jornada na UFV. Viria a ser professor efetivo do DPF em 2009, abrindo definitivamente a linha de pesquisa em campos e partículas. E foi assim que o nosso programa conseguiria reunir novamente, num mesmo espaço e uns vinte anos depois, o Daniel, o Oswaldo e o Piguet (agora como professores do DPF). A vinda do Prof. Oswaldo foi anedótica. Ele era professor da UFF em Rio das Ostras (RJ) e certa vez veio participar de uma banca de defesa de doutorado na nossa pós-graduação. Como ele parecia um carioca típico, resolvi testá-lo e numa daquelas conversas fiadas na sala do cafezinho, perguntei se ele seria capaz de largar o Rio de Janeiro para viver como professor no nosso fim de mundo. Para minha surpresa, ele respondeu rapidamente, sem pestanejar, que sim e ficou altamente entusiasmado. Acho que se encantou com o “Nirvana” (apelido do DPF/UFV cunhado pelo Helayël). Foi desse modo que aquele carioca se tornou mineiro e resolveu participar de uma inconfidência “DPFiana”. Ao mesmo tempo, o Daniel trazia o Prof. Piguet (que acabava de se aposentar) para ser professor voluntário na nossa universidade. O Prof. Piguet veio trabalhar com gravitação quântica (com ênfase em loop quantum gravity). O nosso departamento de física ficava mais completo. Um grupo matematicamente rigoroso em teoria de campos, partículas e gravitação começava a se formar e viria a exercer grande influência não só em estudantes da área de altas-energias, mas também em estudantes de física da matéria condensada. E nesse aspecto, dou como exemplo, o Prof. Jakson, um estudante na época e hoje um jovem pesquisador (bolsista em produtividade em pesquisa do CNPq) que teve uma sólida formação nas duas áreas, dos dois grupos, aplicando criativamente técnicas de teorias de campos e até da gravitação de Einstein em sistemas como grafeno, isolantes topológicos e magnetismo. Vou lembrar uma pequena, mas interessante passagem, que serviu de base para a participação do Prof. Jakson em um dos eventos internacionais trazidos a UFV pelo grupo dos Professores Daniel, Oswaldo e Piguet (junto com o Helayël). O evento ocorreu em 2013 (5th International Conference on Fundamental Interactions), um ano depois da defesa de tese de doutorado do Jakson. Esse encontro magnifico celebrava o centenário do modelo atômico de Bohr (publicado em 1913) e teve como um dos participantes, o físico dinamarquês Henrik Bohr (neto do grande Niels Bohr), que nos contou várias histórias sobre o seu avô. Mas a passagem tem a ver com um momento antes da defesa de tese do Jakson e que acabou levando à sua distinta participação na conferência (que entusiasmou o Prof. Henrik Bohr). Certa vez eu estava na sala do Prof. Winder, quando chegou o Jakson (ainda doutorando) com uma equação diferencial que ele tinha encontrado para a descrição de certas propriedades de isolantes topológicos e que seriam induzidas por um vórtice magnético (um efeito bem intricado). Ele nos perguntou se conhecíamos algum método para resolvê-la ou se sabíamos alguma coisa sobre a equação. Olhei, e disse que ela me lembrava muito a equação de autovalor que descrevia uma partícula num potencial Coulombiano em 2 dimensões espaciais. Ainda disse que a equação tinha soluções exatas de estados ligados e, que se a situação fosse verdadeiramente o que eu estava pensando, ele teria um problema muito interessante nas mãos. O Jakson foi pesquisar e viu que, realmente, a tal equação diferencial descrevia o que eu suspeitava. Ele então concretizou um trabalho e um artigo (parte de sua tese) em que componentes da área de partículas e campos mais uma vez se juntavam a área de matéria condensada. Em 2012, Jakson defendeu a primeira tese de doutorado sobre isolantes topológicos no Brasil. Com isso nas mãos, na época do evento de 2013, o Jakson veio à minha sala dizendo que pretendia apresentar esse trabalho na conferência. Foi aí que sugeri a ele que usasse um título que expressasse bem a celebração do centenário do modelo de Bohr e que chamasse atenção. Chegamos num título simpático: “Two-dimensional Bohr atom in topolological insulators”. O Prof. Jakson é apenas um exemplo da força que o grupo de teoria de campos, partículas e gravitação deu ao nosso departamento de física e à nossa pós-graduação. Muitos outros estudantes se beneficiaram. Algumas outras conferências internacionais (Fig.7) foram realizadas aqui devido a atuação e influência desse grupo.
Várias outras áreas foram acrescentadas e novas linhas de pesquisas sendo incorporadas. Novos laboratórios foram implementados. Áreas já estabelecidas foram diversificadas. A física biológica, originalmente estruturada na UFV pelo Prof. Marcelo, começaria a ramificar e passaria a ganhar um caráter fundamentalmente experimental dentro do DPF com a chegada do Prof. Marcio em 2008. A física estatística se estabeleceu definitivamente com o Prof. Silvio, discípulo do Prof. Marcelo e que se tornaria professor efetivo do DPF em 2005. A chegada do Prof. Tiago (também ex-aluno da UFV) em 2010, após um doutorado na UFF, consolidava de vez esse espetacular grupo de sistemas complexos, que passa também a interagir com os experimentais do departamento, mantendo uma tradição. Outras linhas de pesquisa foram surgindo e com elas novas instalações, como o laboratório de microfluídica e sistemas complexos, liderado pelo Prof. Álvaro Vianna (o Adam Cartwright da série Bonanza). Ainda no fim dessa primeira década do século XXI, chega a primeira mulher como professora e pesquisadora em física do DPF desde que atuo como docente deste departamento: a Profa. Andreza. Portanto, a partir de meados da primeira década do século XXI, uma “segunda geração” de professores viria dar a força e a cara que o departamento de física tem hoje. Uma terceira geração é acrescentada na segunda década do século XXI. Dessa terceira geração, temos a satisfação de conviver com o Prof. Leandro (mais um grande na mecânica estatística), de quem tive a alegria de participar da banca em que ele foi aprovado, chegando ao DPF em 2016. Temos ainda, na física experimental, os professores Luciano (que retorna ao DPF como professor em 2012), Clodoaldo (o famoso serrinha, que chega em 2013), Joaquim (atual chefão do DPF, que chega em 2014), Sérgio (2015), Eduardo Nery (que retorna em 2017), Leonarde (2017) e, também, temos a chegada de mais uma mulher, a Profa. Mariana (2017), mais uma pesquisadora que já está no quadro da pós-graduação. Um departamento e uma pós-graduação com maior diversidade. Os professores precursores da década de 1990 começam a sair de cena. Leis da natureza. O Prof. Ricardo já está aposentado e daqui há alguns poucos anos, os professores Alexandre, Sukarno e Marcelo também estarão em condições para isso. Olhando para o futuro não muito longínquo, os rumos do DPF e do programa de pós-graduação em física estarão inteiramente nas mãos da segunda e terceira gerações. Serão eles os protagonistas que conduzirão e contarão a história dos próximos 20 anos da pós-graduação. E isso já vem acontecendo: recentemente, com uma massa crítica de pesquisadores de bom nível, nosso programa de doutorado em física finalmente tornou-se independente. Agora a pós-graduação em física da UFV possui 18 docentes permanentes e 3 colaboradores, com 15 bolsistas em produtividade em pesquisa do CNPq. O trabalho dessas duas novas gerações está proporcionando que a terceira década deste século comece a ser contada com uma possível mudança positiva no conceito da CAPES, o que poderá marcar a gestão do Prof. Márcio na coordenação do programa.
Para terminar, faço um comentário muito particular, que na minha opinião, pode resumir a vida acadêmica na UFV. Certa vez escutei uma frase de um professor (não me lembro quem e nem onde) que nunca esqueci. Referindo-se a ele, dizia: “vivendo aqui na UFV, tenho a impressão de que só eu envelheço”. De fato, morando numa uma cidade pequena e tomando a força dessa universidade, temos uma vida (mesma privada) muito vinculada e influenciada pela UFV e, com uma constante renovação e, portanto, um rejuvenescimento do quadro de estudantes (e mesmo dos professores novos que constantemente renovam os quadros docentes), essa é a mesma sensação que estou tendo. No entanto, meu medo não é do inevitável envelhecimento e do fim de tudo, mas de outra coisa. Um temor difícil de ser explicado e, por isso, recorro à literatura. Refiro-me a uma passagem do Rei Lear, de Shakespeare, em que o Bobo da Corte nos dá a lição que deveríamos todos aprender, mas as minhas observações sobre as pessoas velhas, tanto aqui dentro da UFV como lá fora, mostram que é muito difícil. A passagem é um diálogo entre o Bobo e o Rei Lear que toma a seguinte direção (conforme a tradução de Millôr Fernandes):
Bobo – Se tu fosses meu Bobo, titio, ias apanhar muito pra aprender a não ficar velho antes do
tempo.
Lear – Como assim?
Bobo – Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.