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Depoimento

Prof. Ernane José Xavier Costa

Transição de fase: Minha formação no Departamento de Física da UFV

E foi aí minha mudança de fase. Atravessei o trilho da estrada de ferro e, ao olhar para o segundo andar do prédio branco, notei que, pairando acima dos alicerces da matemática, estava o centro gravitacional da Física na UFV, o Departamento de Física, o DPF. Curioso, adentrei-me por meio da pequena escadaria que dava acesso ao pequeno complexo de salas e laboratórios do DPF, no segundo andar, sem imaginar que aquele momento seria decisivo para a transição de fase que ocorreria em minha formação acadêmica e, para não dizer menos, na minha vida. Bastou uma breve caminhada pelo corredor do DPF para notar o quão aconchegante era o local, pois orbitava ao meu redor alguns poucos alunos e professores que, de prontidão, já se apressavam em saber meu nome, perguntavam de onde eu vinha e me davam as boas vindas. Calouro que era, meu semblante deveria assemelhar-se à de quem estava perdido, mas na verdade, meu estado era de transição, eu estava mudando e a mudança, que espacialmente era estar à mais de 500 quilômetros de casa, era na verdade uma transição de fase mental. Eu deixava de ser um secundarista e me tornava um postulante ao título de Físico. E foi neste dia e neste cenário que, em 1988, as portas do conhecimento científico se abriram e minha mente, em uma transição de fase, se preparou para receber o próximo estado mental.

Toda transição é complexa, tanto que por vezes descartamos o efeito do tempo e olhamos apenas para a diferença entre o estado inicial e o estado final. Mas, neste caso, a transformação é totalmente observável e mensurável. Essa passagem foi governada pelo processo de aprendizagem que o DPF me submeteu durante os 4 anos e meio de interação, que me levou do estado pacato na vila do Sapo em Resende, no interior do Rio de Janeiro, ao estado de Físico no Laboratório de Física Aplicada e Computacional, o LAFAC, situado no campus da USP de Pirassununga, no interior de São Paulo. Dito isso, neste ponto, este texto também sofrerá uma mudança de fase. Passarei nos próximos parágrafos a descrever como o DPF me alçou para o estado de Físico e comentarei alguns pontos chaves desta transição.

A física, por aqueles dias, podia ser bem dividida em experimental e teórica. Pouco se falava em física aplicada e isso até mesmo soava como “engenharia”, o que para nós, “postulantes a uma vaga no monte olimpo”* , não era algo muito aceitável. Porém, o professor Evandro F. Passos me aceitou como aprendiz e comecei, desde então, a aprender como o limite entre física aplicada e engenharia era tênue, mas nítido. Mas o mais importante, foi entender a interface entre a física experimental e a física aplicada. Por conta desse convívio no DPF, comecei a compreender que a física aplicada era um tradutor refinado entre engenharia e física experimental. Não se podia transitar entre engenharia e física experimental, sem com isso passar pela física aplicada. A física aplicada se tornou, desta forma, uma “cola” entre engenharia e física experimental. Se a engenharia quiser desenvolver algo que possa ser aceitável na composição de experimentos da física, esta teria que “beber” do vinho da física aplicada. E foi neste nicho que me ancorei.

No DPF aprendi que a física aplicada tem um carácter tecnológico e propõe utilizar-se do conhecimento das diversas áreas da física para a solução de problemas específicos visando gerar desenvolvimentos tecnológicos diretos, mas uma área especialmente desafiadora era o desenvolvimento da tecnologia de medição. A física implica em medição. Medir é realizar uma transformação e a medida, contextualizada, é a própria informação. Aprendi este conceito no DPF, sob a orientação do professor Evandro durante minha iniciação científica. Para se propor uma física aplicada de “peso” dever-se-ia saber medir com propriedade. E foi aí que minha mente saiu do estado de repouso e foi para o próximo nível excitado. No galpão do DPF, eu e uma pequena equipe orientada pelo professor Evandro F Passos iniciamos esta jornada no campo da instrumentação eletrônica. Aprendi os conceitos básicos de sensores e transdutores e a árdua tarefa de manipular diversos tipos de equipamentos para construir dezenas de protótipos, para no final do dia alguns poucos funcionarem. Aliás, esta era minha árdua tarefa na física aplicada do DPF: não bastava funcionar, tinha que parecer que funcionava. E isso me poliu de tal maneira, que minha transição de fase para o próximo nível foi, eu diria, no mínimo consistente.

Mas a física aplicada não existe sem um conhecimento sólido da teoria. Ainda me lembro o primeiro contato com o professor Colares que me parou, de supetão no corredor do DPF, e lançou-me um desafio. Me perguntou se eu achava que a luz podia ter a mesma velocidade em qualquer meio. Antes que eu pudesse entender a pergunta ela já afirmara: “ – Você tem que estudar muita teoria para entender isso…” e continuou sua jornada pelo corredor me aconselhando: ”– pense nisso calouro..” e… eu pensei. Esta era outra mudança de fase na minha mente. Existia algo para além da física aplicada e experimental, existia o imenso oceano da física teórica… e foi aí que conheci o “chefia…”.

O DPF contratou novos professores no início da década de 90. No entanto, como eu já estava no terceiro ano, ressalto dois personagens (que lecionaram para o terceiro e quarto ano) da época. O professor Alexandre Tadeu Gomes de Carvalho, o “Xandão”, e o professor Marcelo Lobato Martins, o “Chefia”. O primeiro era um físico experimental da “pesada” e o segundo um físico teórico da “pesada”. O termo físico da “pesada” foi introduzido no meio acadêmico “UFViano” por estes dois novatos. Até o professor Ordeli usava os termos introduzidos por eles no DPF. O fato é que o Prof. “Xandão” introduziu a importância que a física teórica tinha na física experimental e aplicada. No DPF, a transição de fase não ocorria apenas ao formar-se em física, tinha-se que provar do néctar da física, e isso implicava em saber a teoria. Neste contexto, entra em cena o professor Marcelo Lobato o “chefia”. Não me lembro ao certo de onde surgiu o apelido de chefia mas… colou. O professor Marcelo trouxe para os alunos da época o universo dos desafios futuro da física no campo teórico, e mostrou a importância de se indagar sobre as conexões complexas da física com outras disciplinas. E foi aí que surgiu a transição para a interface física/biologia. Não bastava ser físico, tinha-se que transcender com a física para as outras ciências, e isso me direcionou para o mestrado em Biofísica no Instituto de Física da USP. O “chefia” me deu o dinheiro para pegar o ônibus e ficar uma semana no IFUSP, para então ser selecionado pela Professora Maria Tereza Lamy e, desta forma, me ingressar no universo da interdisciplinaridade. Mais uma transição de fase ocorria com minha mente. O “chefia” sempre dizia:“ – Ernane**, a linha que separa interdisciplinaridade e picaretagem é muito tênue, presta atenção viu rapá!//!”. E eu prestei atenção…

O DPF, que nesta época já se caracterizava como um Departamento interdisciplinar, fortaleceu-se ainda mais com as contratações de novos professores, que na minha época, incluía além do professor Alexandre e do Professor Marcelo, o Professor Gino Ceotto Filho. Fortalecia-se também na área teórica, valorizando ex-alunos com a contratação do Professor Afrânio, o qual tive a oportunidade de interagir, como calouro, em 1988 no Grupo de Estudos de Física o GEF.

A ciência tem seus ritos e sua liturgia. Como aluno do DPF, meu primeiro contato com os ritos da ciência foi no I simpósio da pesquisa na UFV. O mês era Abril, o ano 1988, e eu era apenas um calouro, mas os professores do DPF, na época, já incentivavam nossa participação no Simpósio. Fiquei admirado com a liturgia da ciência, percebi a necessidade ritualística dos debates e das discussões. Mas foi no ano de 1991 que a transição de fase levou-me de um aluno de iniciação científica para um aspirante à cientista. Esta transição ocorreu quando, sob orientação do Prof. Evandro, tive que escrever meu primeiro artigo científico. Acontecia o I simpósio Mineiro de Iniciação Científica, os debates fervilhavam nos corredores do DPF. Lembro-me de alguns trabalhos polêmicos sobre a espessura de coxas de alunas e sobre a ação de piramides em sementes, tudo isso era o combustível que alimentava o ceticismo e as discussões dos aprendizes de ciência. A importância disso foi o estabelecimento do espírito crítico nos aprendizes de ciência e, desta forma, o DPF cumpriu seu papel como formador de cientistas pois criou uma atmosfera que incentivara a participação dos alunos no debates acadêmicos, permitiu o debate científico e com isso mudamos de fase.

Minha primeira publicação científica ocorrera em 1991 no Simpósio Mineiro de Iniciação científica e tratava-se do desenvolvimento de sensores de filme metálicos finos. No entanto, foi no Proceedings of the 11th ABCM Mechanical Engineering Conference que senti a importância do ritual do debate e da escrita científica. O Professor Evandro reuniu-se com a equipe de pesquisa no galpão e informou que iríamos escrever um artigo para o ABCM. Fiquei muito feliz, eu teria uma publicação em uma Conferência Internacional e, mais que isso, eu estava sendo reconhecido pelo Professor como um cientista que merecia participar na publicação e isso mudou tudo.

O DPF fez isso comigo e com muitos outros alunos. As instituições só existem de forma abstrata em nossas mentes, não tenho certeza se aquele segundo andar do prédio branco, cuja a imagem se faz presente em minha mente quando se fala no DPF, sabia de sua importância, mas tenho certeza de que os humanos que lá frequentavam tinham um propósito, e estes sim, sabiam de sua importância. No momento que escrevo estas lembranças, o LAFAC completa 20 anos de existência, e com certeza é fruto do DPF, uma árvore formada de uma semente que saiu do DPF da UFV em 1992 e que gerou mais sementes. Mais de uma dezena de doutores e de mestres foram formados por este eterno aprendiz do DPF. A transição de fase está completa. Existem outros estados, os quais terei que alcançar, mas, o primeiro estado, a primeira transição de fase, alcancei quando atravessei o trilho da estrada de ferro e adentrei no prédio branco que pairava acima dos alicerces da matemática, o Departamento de Física da UFV, o DPF. Parabéns ao DPF pelos seus 50 anos, parabéns aos Professores e muito obrigado por terem me guiado nesta transição de fase.
Notas:

* – Os físicos habitam o monte designado para Deuses
** – Na verdade ninguém me chamava de Ernane eu era conhecido como o “Negão”

Prof Dr. Ernane José Xavier Costa
Prof. Livre Docente
LAFAC – Laboratório de Física Aplicada e Computacional – ZAB-FZEA
Universidade de São Paulo – Campus Fernando Costa Pirassununga
ernane@usp.br


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